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em: https://www.intelipoker.com/blogs/habofet/es-um-cacador-ou-a-caca
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Espera, em português, pode ser tanto verbo quanto
substantivo. Considerando as práticas sociais da linguagem, 'espera' é
um ato de fala. Por exemplo, quando a criança faz alguma arte e a mãe a olha e sentencia, brava: Espeeera! A criança entende que vai receber
algum castigo. Quando alguém faz algo de ruim para outro/a e essa pessoa olha
de esguelha e lhe diz: Espera só procê
vê! A autora ou o autor da ruindade sabe que vem troco. A 'espera', ainda
como verbo, referencia a qualidade de quem tem paciência, conforme indica o
ditado popular: quem espera sempre alcança. Numa
contra-leitura, para desnaturalizar a acomodação e estimular a práxis social
(ação, atuação), o compositor diz: quem
sabe faz a hora, não espera acontecer. 'Esperar", aqui,
já não é qualidade, é defeito. A 'espera', como substantivo, remete a uma
prática cultural, uma forma de obtenção de alimentos e, nesse sentido, é
memória. Uma memória viva, vívida na minha memória de sertaneja nativa e
andarilha dos cerrados de Goiás. Como eu me lembro, e com saudade, dos meus
tios, indo pra espera! A espera é diferente da caçada. Meus tios, às
vezes, iam também pra caçada, mas preferiam, de longe, ir esperar.
Na caçada tem perseguição, embate, combate, luta física; na espera, só o abate. A presa,
na caçada, tem mais chances de sobrevivência do que na espera. Na caçada, a presa
aprende a traçar rotas de fuga, que são as mesmas rotas de perseguição.
O instinto de sobrevivência da presa torna a perseguição criativa e abre sempre
novas rotas de fuga. Na caçada, há movimento, barulho, estampido, farfalhar. A
presa perspicaz percebe que está sendo perseguida e se defende,
atacando, lutando, encontrando saídas, fugindo. Na espera, a presa não tem chances de
defesa, sua única defesa é a falha do algoz. A espera é uma arte em que apenas
uma das partes no jogo conhece os movimentos das duas partes. O silêncio é o
aliado do esperador e a perdição da presa. Não há
perseguição: a luta e o embate são silenciosos, entre a paciência da espera e a
chegada ou não da presa. A presa (a vítima), ao chegar no campo da espera, poderá ser perspicaz o bastante para não se posicionar como alvo. A vítima em potencial tem os sentidos aguçados (ouvidos e faro atentos), essa é sua defesa. Contra isso, o esperador põe armadilhas, como
arapucas e aratacas. A espera é um jogo de paciência, perspicácia e agilidade
de ambos os lados. A presa está em desvantagem por não saber que está sendo
esperada, e o esperador tem a vantagem de estar na tocalha à espera, sem que
sua presa o saiba. Essa é uma luta mais desigual que a caçada. É preferível a
perseguição! De qualquer forma, nas duas lutas, é fundamental conhecer e estar
atento aos mistérios da arena que é o sertão. Na silenciosa e árida arena, que é o sertão, o esperador (o homo cerradenses) é ressabiado, homem desconfiado,
calado, observador e atento, pronto para abater sua presa tão logo ela apareça em seu campo de visão. A
pontaria tem de ser precisa, é um tiro só, não pode errar, porque, senão,
espanta o bicho; e se o bicho embrenhar no mato, 'cabô', nem ele nem outro, não
vem mais nada, por causa do barui do tiro! A perseguição, na caçada, é perceptível.
Já na espera, só um bicho muito perspicaz, com sentidos muito apurados, pode sentir o perigo na respiração do
homem.
E eu ali, quietinha, sentada no chão batido, no canto da sala, caladinha, quase nem respirava, sentindo o coração bater forte, no pescoço, perto do ouvido, escutando as histórias das caçadas e das esperas. Assim, quietinha,caladinha, ninguém me percebia, eu podia ficar na espera, escutando, senão... se me percebessem... a espera podia virar caçada.
E eu ali, quietinha, sentada no chão batido, no canto da sala, caladinha, quase nem respirava, sentindo o coração bater forte, no pescoço, perto do ouvido, escutando as histórias das caçadas e das esperas. Assim, quietinha,caladinha, ninguém me percebia, eu podia ficar na espera, escutando, senão... se me percebessem... a espera podia virar caçada.
Eita. É por isso que se diz daqui que "viver é perigoso"?
ResponderExcluirExatamente! Mas, não só daqui, isso é do sertão. No sertão, viver é perigoso! Fora do sertão também, por outras razões, claro.
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